Nem tudo que a tecnologia nos permite fazer… a gente deveria fazer.

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No South by Southwest Londres (SxSW) de 2025, um dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo que agora também acontece a capital britânica, assisti à apresentação de Ben Lamm, fundador da Colossal Biosciences, sobre o De-Extinction Project.

Foi daqueles momentos em que o deslumbre divide espaço com o desconforto. Uma mistura de Black Mirror com Jurassic Park, só que com cientistas de Harvard, financiamento robusto e uma missão declarada de “salvar o planeta”. Bonito? Sim. Mas também inquietante.

O que está acontecendo? A Colossal anunciou a criação, por engenharia genética, dos primeiros filhotes vivos de direwolves (também chamados de lobos-terríveis), lobos gigantes extintos há mais de 10 mil anos.

Vale lembrar que a comunidade científica tem resistido a chamar essa criação de lobos-terríveis porque ela foi feita a partir da inserção de traços genéticos da espécie extinta em células de lobos-cinzentos atuais por meio de edição genética.

Rômulo, Remo e Khaleesi -batizados em homenagem à cultura pop – uivaram, foram fotografados e rapidamente se tornaram manchete.

Mas por trás do espetáculo científico emergem perguntas incômodas: até onde vamos? E com qual propósito?

Consciência como fundação, não como obstáculo

Durante a apresentação, ouvimos sobre sequenciamento genético, bioacústica e IA. O entusiasmo era legítimo. Mas senti falta do que deveria ser central: o debate sobre consequências, código de conduta e impacto. E não fui a única: amigos que assistiram comigo também apontaram essa lacuna.

Recriar uma espécie não é só um feito de engenharia, é uma decisão política, ecológica e cultural. Vamos recolocar um predador num ecossistema que já aprendeu a viver sem ele. Quem será impactado? Quem define o que é “equilíbrio”? E a quem esse projeto realmente atende?

Por outro lado, é fato: pesquisas como essa podem destravar avanços relevantes em saúde, genética e conservação. Mas esse “como” só faz sentido se vier acompanhado de um “por quê”.

A ausência do “por quê” ainda preocupa

Ben Lamm deixa claro que temos uma obrigação moral de buscar tecnologias capazes de reverter os danos ambientais causados por nós mesmos. Será que o maior risco seria não agir? Se nada for feito, em 25 anos podemos perder metade das espécies conhecidas do planeta. Desextingui-las seria uma tentativa de reequilibrar a balança.

Ele também sugere um possível círculo virtuoso: a reintrodução de espécies pode restaurar ecossistemas, melhorar a eficiência climática, reduzir emissões de metano e, talvez o ponto mais sensível, reaproximar o ser humano da natureza, gerando empatia e apoio à conservação.

O futuro exige responsabilidade radical

Tecnologias de fronteira, da IA à engenharia genética, têm potencial real de transformação. Mas poder sem governança representa risco em escala global. Precisamos de novas formas de regulação: flexíveis, ágeis, não deterministas.

Não para travar a inovação, mas para garantir que ela ocorra com clareza de propósito, corresponsabilidade e que a governança seja parte integrante desde o início. Uma regulamentação adaptável, capaz de acompanhar a velocidade da evolução tecnológica e seus impactos sociais.

Como afirmou Demis Hassabis, CEO da DeepMind: “Não se trata de impedir que as coisas evoluam, mas de garantir que, para tecnologias tão fundamentais, tenhamos o máximo de previsibilidade e intenção possível.”

Hassabis defende o uso do método científico e da compreensão teórica como forma de criar salvaguardas. “Algumas coisas só aprendemos quando estão no mundo real. Mas devemos ser o mais intencionais e cuidadosos possível.”

E no fim das contas…

Estamos empolgados com o retorno dos lobos, mas talvez estejamos olhando para a direção errada. Porque o que realmente está sendo trazido de volta à vida não é só uma espécie extinta. É o lembrete de que decisões como essa, sobre o que salvar, o que deixar ir, o que criar ou recriar, continuam sendo nossas.

Tecnologia é ferramenta. Futuro é escolha. E escolhas vêm com consequências. É por isso que o debate não é sobre lobos. É sobre nós.

Artigo publicado na Época Negócios

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Ana Paula Zamper

Depois de mais de 30 anos de experiência no mercado de tecnologia, eu decidi abandonar o sobrenome corporativo e fundar a ByAZ. Junto com essa novidade, veio uma grande vontade de escrever e dividir meus pensamentos com você. Bem-vindo ao meu blog!

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