Este mês, passei alguns dias em campo em um projeto voluntário ao qual me dedico a um tempo, a SAS. A expedição SAS Sertões realizou mais de 16.000 atendimentos em quatro cidades e confesso que durante esses diasminhas inquietações vieram com força. Me pareceu muito que “aquela” é a vida real, enquanto “esta aqui” é uma vida na bolha.
Agora, quando entro em reuniões me questiono qual o intuito daquilo. Cada vezque vou investir em algo, penso em primeiro lugar: qual o propósito? Eu nãosou perfeita, aliás tenho milhões de falhas (aqui mesmo já falei sobre ser controladora, perfeccionista, ambiciosa…), mas parece que esqueço tudo isso eme encaixo quando estou em campo. É como se eu entrasse em outra dimensão, onde tempo e espaço tivessem outro significado. Sim, eu trabalho por dinheiro, também, mas cada vez mais tenho procurado equilibrar minhas necessidades e minha real vontade, que é fazer trabalho voluntário.
O trabalho em campo é pesado, e não é pouco. Mas não tem ninguém de cara amarrada, de mau humor, ranzinza, brigando. Tem leveza, amor, empatia, diversão…. Os voluntários acolhem os pacientes e se preocupam entre si. Já comeu? Já tomou água? E você? Já foi ao banheiro? Precisa de ajuda? Sãoperguntas feitas entre nós e para os pacientes.
Nessa expedição, eu pude experimentar um trabalho diferente – em geral, meu posto fixo é no cadastro, recepcionando os pacientes e abrindo a ficha de atendimento. Dessa vez, fui volante e serviços gerais. Ajudei desde a formação de filas até levar crianças e senhoras para o banheiro, recolher lixo, fazer compras… e a parte mais bacana foi ser “Uber” de pacientes. Sim, porque eles tinham que andar bastante, num sol de rachar, da entrada da vila dos Sertões até o galpão onde realizamos os atendimentos. Fiz mais de 20 viagens e pude conversar com essas pessoas, entender de onde vinham, o que buscavam, como conheceram a SAS…
Na ida, a conversa era muito sobre as expectativas que tinham sobre o atendimento, sobre como seria bom se realmente conseguissem ser atendidos, sobre há quanto tempo estavam na fila do SUS. Notei que praticamente todos vêm de longe, mas chegam com um sorriso no rosto. Na volta, o carro se enchia de amor e de agradecimento – a cada despedida, uma emoção diferente. Várias pessoas saíam do carro e vinham me abraçar – a energia desse abraço é coisa que não se sente no dia a dia. Algumas contavam emocionadas como foram bem acolhidas, como os médicos e voluntários os trataram com carinho e respeito. Como agora puderam ter tratamento, após meses de espera…
Essas pessoas, no íntimo da sua simplicidade, me ensinam o significado real da vida, da vida simples, das pequenas coisas que nos fazem descobrir que são, na verdade, grandes e essenciais! E a troca com eles é deliciosa. Por onde passamos, uniformizados, encontramos pacientes atendidos por nós, que nos chamam, nos presenteiam com comida e mimos, com orientações sobre lugares, com sorrisos e seu carinho mais puro – somos quase celebridades, imaginem só!
Além disso, ser voluntária na SAS Brasil e no Instituto Ser + me trouxe um profundo autoconhecimento e crescimento pessoal, e eu recomendo fortemente que você faça o mesmo. Os principais benefícios que notei foram:
– Reencontrar meu propósito: Meus 50 anos vieram acompanhados de uma inquietude: buscar um propósito maior e mudar a forma como eu encaro diversas coisas. E o voluntariado tem o poder de conectar indivíduos a causas maiores que si mesmos. Em uma sociedade frequentemente centrada no eu, nas conquistas materiais e no ritmo acelerado, o voluntariado pode servir como um lembrete do que é verdadeiramente importante. Ao ajudar os outros, muitas vezes redescobrimos paixões, valores e propósitos que podem ter sido ofuscados ou esquecidos na rotina diária.
– Viver de forma mais simples: Ao trabalhar como voluntários, especialmente em contextos desafiadores ou com comunidades carentes, é comum reavaliarmos o que realmente importa. As experiências vivenciadas mostram que a felicidade e a satisfação muitas vezes não são derivadas do excesso, mas sim da simplicidade, do contato humano genuíno e da capacidade de fazer a diferença na vida de alguém. Eu gosto de coisas boas, e não abandonei isso – mas acho que estou encontrando um equilíbrio mais saudável.
– Sair da minha bolha: Este é um aspecto crucial. Vivemos em sociedades segmentadas, onde é fácil permanecer em nossos próprios círculos sociais, econômicos ou culturais. O voluntariado proporciona uma oportunidade única de interagir com pessoas de diferentes contextos, aprender sobre suas vidas, desafios e sonhos. Essa troca enriquece o voluntário tanto quanto beneficia aqueles que são ajudados, rompendo barreiras, expandindo horizontes e nos fazendo descobrir novas paixões.
É um lembrete de que, ao nos dedicarmos ao outro e impactarmos a vida de outras pessoas, encontramos uma versão mais completa, renovada e enriquecida de nós mesmos. O voluntariado nos tira da zona de conforto e nos faz refletir sobre o nosso papel no mundo. E se não for para criar um mundo melhor, para que quero me sentar numa cadeira? Além disso, a vida assim, com agenda cheia e novidades a todo momento, é combustível para ir longe nessa estrada.