Essa pergunta feita no SXSW por Esther Perel, psicoterapeuta, podcaster, especialista em relacionamentos e autora best-seller do New York Times, mexeu comigo. Na palestra “A outra Inteligência Artificial: a ascensão da intimidade artificial e o que isso significa para nós”, uma das mais comentadas do evento, ela falou principalmente sobre como as tecnologias preditivas estão impactando a psique humana.
Afinal, de que adianta tanta tecnologia e inovação se elas não estiverem a serviço da humanidade? Acontece que para estar a serviço da humanidade, a Inteligência Artificial deve funcionar em conjunto e em harmonia com a natureza. E isso é muito mais complexo do que parece.
Se por um lado a IA traz dados, pesquisas, informações e tendências com uma velocidade impressionante, por outro não entende de pessoas, de crenças, de relacionamentos e, claro, de intimidade. Afinal, intimidade de verdade é uma ambivalência de sentimentos.
Dia desses, coroando as minhas impressões sobre a palestra, li um artigo do genial Nizan Guanaes falando que de nada adianta todos os olhos estarem voltados para Austin e grandes eventos de inovação se não damos ouvidos às pessoas próximas, já que muitas vezes os insights e as informações transformadoras virão delas.
É a esse fenômeno que Esther Perel dá o nome de Intimidade Artificial. Ao lado de nossos amigos e parentes, não estamos 100% presentes, sempre com um olho na turma e outro no celular. Oras, se na vida real a gente não precisa – nem consegue – estar disponível 24 horas por dia, por que precisaria na vida online?
E eu fiquei pensando também em como essa não-presença é uma espécie de escape. Afinal, as experimentações e os fracassos são essenciais para o desenvolvimento da nossa identidade. E Esther resumiu bem essas relações quando disse que a gente gosta que os inconvenientes sejam removidos, sim, mas, ao mesmo tempo, ficar desconfortável fazendo coisas de que não gosta e correr riscos são algumas das maneiras pelas quais aprendemos quem somos e quem não somos. Profundo, né?
Outra questão que me fez pensar foi que toda escolha carrega sofrimento, pois significa uma renúncia à opção que não escolhemos. O canto da sereia das nossas telas acaba sendo a falsa promessa de que podemos fazer escolhas sem vivenciar esse luto, já que temos muitas informações em mãos. Quando eliminamos os riscos, as oportunidades de aprendizado são eliminadas junto. “Com o tempo, tecnologias cada vez mais preditivas podem nos deixar mais incapazes de tolerar a inevitável imprevisibilidade da natureza humana, do amor e da vida”, disse Esther em um dos pontos altos da palestra.
Como resultado, criamos rigidez em um mundo que exige flexibilidade. Eu sou a primeira a dizer que a tecnologia nos traz maravilhas, mas precisamos, sim, tomar cuidado com as falsas impressões que ela nos traz e lembrar que o contato e a interação humanos são – ainda – a maior fonte de aprendizado que podemos ter.
A história da evolução da humanidade é de uma constante busca pelo novo. Se não melhorarmos nossas habilidades de evoluir em um mundo não-linear, podemos presenciar a tomada de decisão humana sendo marginalizada pelos algoritmos. Afinal, enquanto nos tornamos cegos por essa complexidade crescente, as máquinas aprendem gradualmente a subir na cadeia de valor da decisão.
Não foi por acaso que o físico Stephen Hawking qualificou o século XXI como “o século da complexidade”. Neste cenário, surgem discussões sobre a capacidade do ser humano de se aperfeiçoar na tomada de decisões, tornando-se mais e mais AAA (antecipatório, antifrágil e ágil), de modo a continuar agregando valor à sua parceria com as máquinas. Aqui, a inteligência artificial fornece insights para decisões mais informadas e revela novas oportunidades sem, necessariamente, substituir os humanos.
Em mais um raciocínio brilhante, Stephen Hawking disse: “Não podemos prever o que seremos capazes de alcançar quando o nosso próprio intelecto for ampliado pela inteligência artificial. Talvez com essa revolução tecnológica possamos reduzir parte dos danos feitos à natureza, erradicar doenças e a pobreza”.
Afinal, sabedoria consiste em separar a fascinação provocada pelo entretenimento da efetividade das novas tecnologias – o uso do velho e bem conhecido bom senso – já que são os humanos, e não as máquinas, que criam o significado. Concordam?