Não existe IA que resolva o que falta em nós.

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Um em cada dez brasileiros já usa IA como conselheiro ou confidente, segundo a Talk Inc. Ou seja, estamos terceirizando até o desabafo para o algoritmo. Eu tenho uma amiga que conversa com o ChatGPT todo santo dia de manhã. Pede previsão do dia e conselhos. Mas só encerra o papo quando ele responde exatamente o que ela quer ouvir. Autoconhecimento da nova era? Não: algoritmo.

Um estudo recente da Universidade de Cornell mostrou que a forma como falamos com a IA (incluindo “por favor” e “obrigado”) afeta o tipo de resposta que recebemos. Parece fofo. Mas é programação. Comandos com “por favor” e “obrigado” tendem a gerar respostas melhores simplesmente porque os LLMs aprendem a partir de interações humanas.

Vocês assistiram “Her”? Em 2013 parecia ficção, hoje está mais para documentário. A verdade é que estamos humanizando demais as máquinas e desumanizando o convívio. E quem acha que apenas pessoas leigas ficam encantadas com as possibilidades e abrem seus corações para a IA está muito enganado. O pensamento crítico sai de cena quando enfrentamos nossas emoções e nossa solidão diante desse “conselheiro virtual”. E como alerta Enrique Dans, da IE Business School: “antropomorfizar máquinas não ajuda ninguém.”

Eu mesma já caí nessa armadilha algumas vezes. Desde pedir para o ChatGPT fazer a abertura de um evento a partir de uma apresentação (que me arrependi amargamente), até confiar no Oura, meu anel inteligente que monitora tudo: sono, estresse, disposição. Ele me ajuda, me alerta, me cobra. Mas também é um fiscal disfarçado de wearable premium. Amigo ou algoritmo? Não sei. Mas que ele sabe mais sobre mim do que muito ser humano, isso sabe.

E pior: no começo do ano, fiz um check up para acompanhar um cisto e, nos exames de sangue, tive uma alteração. Não tive dúvida: botei os resultados no ChatGPT e pedi uma análise. A resposta? Que eu provavelmente tinha um nódulo maligno. Desesperada, marquei com um oncologista. Quando voltei ao meu médico, ele me pediu para repetir os exames. Resultado: depois de refazer duas vezes, concluímos que os exames estavam errados. E agora? Volto à IA para reclamar? E ainda tive que ouvir meu médico dizer, com aquele tom levemente sarcástico: “eu te acompanho há anos… e você foi perguntar pra Inteligência Artificial?”. Passei vergonha, né?!

Parece engraçado, olhando para trás, mas vejo que quem alucinou não foi o ChatGPT. Fui eu. Ele trabalhou com base nas evidências que tinha, sem conhecer meu contexto, fatos sem julgamento. Quem não teve a inteligência emocional para lidar com isso fui eu. Quem não usou o senso crítico, fui eu.

Por isso, a minha provocação é real. Estamos usando a IA como conselheiro, terapeuta, filtro de realidade. Mas não existe IA que resolva o que está faltando em nós: escuta, compaixão e presença.

Se conselho fosse bom, eu diria: antes de ficar amigo da sua IA, pratique a gentileza com seres humanos. Eles ainda são a melhor interface. E ainda, topam ir a um barzinho.

Ana Paula Zamper

Ana Paula Zamper

Depois de mais de 30 anos de experiência no mercado de tecnologia, eu decidi abandonar o sobrenome corporativo e fundar a ByAZ. Junto com essa novidade, veio uma grande vontade de escrever e dividir meus pensamentos com você. Bem-vindo ao meu blog!

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