Acabei de voltar de Londres, onde fui curadora do SXSW com a Oficina Consultoria, e tenho ouvido a mesma pergunta: como você compara esta edição à de Austin?
Para começo de conversa, apesar de carregar o mesmo nome e espírito, o evento em Londres é produzido por uma empresa diferente, sob licença da marca original, mas com autonomia para realizar à sua maneira. Essa maneira é menos hype, mais profunda em conteúdo. Esqueça as vitrines de tendências: o evento foi um espelho do presente. O que está em jogo não é apenas inovação, é poder, responsabilidade. A pergunta brutal que pairava no ar: que tipo de futuro estamos autorizando ao apertar o botão de “aceitar”?
Chris Ballance, da Oxford Ionics, alertou sobre o risco de continuar jogando pelas regras antigas sem perceber que o campo já mudou. Keyun Ruan, CISO da Google, falou com precisão cirúrgica: “A tecnologia não decide como vai impactar a sociedade. Ela é projetada a partir de um olhar sobre a sociedade.” Não é sobre prever. É sobre escolher. E rápido. Demis Hassabis, CEO da DeepMind, trouxe um alerta elegante: os sistemas atuais ainda carecem de raciocínio real, senso moral, criatividade genuína. “Resolver a inteligência para resolver o resto”, como sonhavam os pioneiros, só faz sentido se soubermos o que não pode ser delegado à máquina.
Já Bruce Reed foi direto: “A IA não foi feita para pensar por você”. Victor Riparbelli foi ainda mais incisivo: “Usar IA sem intenção, conhecimento e experiência coletiva é como jogar em uma máquina caça-níqueis: você coloca o prompt, aperta o botão e torce pelo melhor.” E essa talvez tenha sido a grande epifania coletiva: IA não é mágica. É reflexo. E reflexo do repertório de quem a usa.
Precisamos lembrar que:
- A IA é fascinante, sim. Mas também exaustiva. Isso foi dito em um painel, e eu não podia concordar mais. A velocidade de adoção, os dilemas éticos, a mudança no comportamento do público, tudo isso pressiona organizações, regulações e… a nossa sanidade.
- Dados faltando, verdades distorcidas. Quando só uma parte do mundo é representada, a IA reproduz esse recorte. Viés estrutural não é bug técnico, é risco estratégico.
- A governança digital é o verdadeiro diferencial competitivo hoje. Sem transparência, regulação e propósito, a IA se torna apenas uma onda, que pode levar reputações, negócios e até direitos básicos embora.
Por isso, precisamos de uma regulação inteligente e adaptável, que evolua com a tecnologia e com os problemas que ela mesma criará. Mostrar o processo importa. Isso exige clareza sobre fontes, critérios e intenções. Ética, portanto, não é uma cereja no bolo. É o alicerce. Ninguém expressou isso com tanta leveza quanto Jane Goodall: “O futuro não se evita com medo. Se constrói com intenção.”
E o futuro não está agendado para daqui a cinco anos. Está sendo desenhado agora, nos bastidores dos algoritmos, nas batalhas por confiança, nas decisões invisíveis que moldam nosso comportamento antes mesmo de percebermos.